Com o crescimento das cidades, aumento de loteamentos e arranha-céus, meios de transporte geradores de gases, poluição visual e outros impactos ao meio ambiente, se faz premente a implantação de praças, parques e ciclovias em espaços abertos públicos, para tornar a cidade mais verde.
Então, você deve estar se perguntando: Em todo loteamento novo é destinado uma área para equipamentos comunitários e praça? Será que em todas estas áreas destinadas à praça existe mesmo arborização, com estares e espaço para lazer? A praça de seu bairro possui calçamento para pedestres, ciclovia para bicicletas, playground para crianças, árvores de grande porte para sombra e equilíbrio da temperatura da cidade?
A arborização urbana de grande porte, a vegetação nativa perene e florida e o gramado são elementos de paisagismo importantes para as praças, parques e ciclovias, que precisam ser resgatados e preservados.
Nossas cidades precisam voltar a “respirar” com espaços abertos públicos de qualidade para pessoas, tanto através da revitalização de espaços ociosos, terrenos abandonados que não cumprem sua função social como prevê o Estatuto da Cidade, praças antigas com poucas ou sem nenhuma árvore, quanto a criação de praças novas em bairros e implantação de ciclovias.
A exemplo da revitalização de espaços públicos cita-se: High Line Park de New York, Superkilen em Copenhague, Córrego de Cheonggyecheon em Seul e Jardin de La Rambla Sants em Barcelona.
É em meio ao verde da natureza que as pessoas conseguem se reconectar a sua essência, buscar seu eu interior. Neste sentido, em praças e parques arborizados as pessoas podem encontrar melhores espaços para meditar, caminhar, pedalar e se sociabilizar, com mais satisfação e qualidade de vida.
O ideal é que todas as praças e parques tenham equipamentos e mobiliários urbanos como bancos, lixeiras, iluminação, bebedouros, local para lanches, sanitários públicos acessíveis, monumentos, canteiros floridos, ciclovias e muitas árvores de diferentes tons de verde. Lembrando também das praças de esportes e lazer com quadras de futebol, voleibol e basquetebol para torneios entre escolas.
Muitas vezes a falta de segurança em praças ou parques se dá pela falta de atividades e movimento de pessoas, pois quanto maior for a atração e o interesse pela praça, maior será seu uso e movimento. O aumento da co-presença gera maior segurança entre as pessoas, sendo que cada tipo de atividade vai atrair um público alvo de acordo com aquela atividade.
Mas, não basta ter atratividades e eventos em determinados espaços abertos públicos, se não houver políticas públicas voltadas a preservação e resgate da vegetação nativa, que fornece identidade e traz legitimidade ao lugar.
No entanto, em meio ao crescimento e desenvolvimento urbano acelerado, fica cada vez mais difícil identificar as características originais da vegetação, que são intrínsecas aos bairros. É preciso maior fiscalização quando da implantação de novos loteamentos, principalmente em relação às suas áreas verdes destinadas aos equipamentos comunitários e praças. Estes tesouros verdes precisam ser resguardados com suas matas nativas, de modo a preservar sua fauna e flora original. Estas áreas serão os novos espaços abertos públicos da cidade, que se preservados trarão maior identidade da natureza local.
Em, “A Imagem da Cidade”, o urbanista e escritor americano Kevin Lynch trouxe o conceito de como perceber os ambientes urbanos, como analisar e melhorar as formas visuais de uma cidade. Para Lynch, todo morador possui relações com alguma parte de sua cidade, e a imagem que ele elabora delas, possui memorias e significados. O autor analisa a “fisionomia da cidade” a partir de algumas características, responsáveis pela formação de imagens. Sejam elas: a legibilidade, a estrutura, a identidade, o significado e imaginabilidade.
A primeira característica é a legibilidade, ou seja, a capacidade de se entender e reconhecer com clareza os aspectos visuais da cidade. O segundo aspecto envolve a estrutura, a identidade e o significado das imagens. A estrutura diz respeito à relação entre o objeto, seu entorno e o observador, a identidade diz respeito à individualidade e o significado é uma característica bastante subjetiva, seja ele prático ou emocional, que determinado objeto tem para cada indivíduo.
A terceira característica é a imaginabilidade, que é a capacidade de um objeto e elemento de registrar uma forte impressão em todo e qualquer observador, impondo-se na percepção e memória de todos. Este conceito está ligado à definição de legibilidade, uma vez que imagens marcantes aumentam a probabilidade de construir uma visão clara e estruturada da cidade.
Além destas características que formam a imagem da cidade, Lynch também fala sobre os principais elementos que a compõem, dividindo sua imagem em vias, marcos, limites, pontos nodais e bairros.
Mas, ao analisar em conjunto todos estes elementos construídos da cidade, pode-se dizer que o relevo, a topografia, os cursos d’água naturais, a vegetação, ou seja, a valorização dos Elementos Naturais, que trarão fortes características de legibilidade, estruturando, trazendo identidade, significado e, principalmente, a imaginabilidade aos espaços urbanos como um todo. Em meio a cidade já consolidada, o Resgate da Natureza é a palavra-chave.
E dentro desta linha de pensamento, o botânico e paisagista, Ricardo Cardim, traz sua contribuição para nossas cidades, o resgate da natureza por meio da Mata Atlântica. Ricardo Cardim, aborda no livro “Remanescentes da Mata Atlântica” que a devastação da mesma é um fenômeno muito pouco registrado e disseminado. Originalmente este bioma predominava na paisagem costeira do Brasil, detentora de uma das mais ricas biodiversidades do mundo. Atualmente, resistiram apenas 12,4% da floresta que existia originalmente e, desses remanescentes, 80% estão em áreas privadas. Para se ter uma visão espacial, dos 26 estados do Brasil, 17 fazem parte da Mata Atlântica.
Ainda no livro, o autor registra as maiores árvores ainda existentes na Mata Atlântica, em expedições por cada um de seus principais ecossistemas, um verdadeiro legado para toda a sociedade e os apaixonados por botânica.
“As crianças estão vindo com outro olhar sobre a natureza. Tenho muita fé de que elas vão causar uma revolução, e a tecnologia vai resolver muitos problemas. (...) Vai chegar o momento em que vamos conseguir ter a harmonia entre o conforto moderno e o modo de produção econômico, e conseguiremos restabelecer parte do território natural.” Ricardo Cardim (em entrevista com a BBC News Brasil)
O paisagista Cardim traz para este resgate da Mata Atlântica, o conceito da Floresta de Bolso. Uma técnica natural de restauração da Mata Atlântica desenvolvida por ele (marca registrada da Cardim Arquitetura Paisagística), onde a composição e espaçamento das espécies procuram respeitar a dinâmica original das florestas, proporcionando um crescimento mais rápido, com menor perdas, um baixo consumo de água e pouca manutenção.
Adaptada a escala urbana, a floresta de bolso pode ser implantada em pequenos espaços, a partir de 15 m² ou também em grandes áreas da zona rural, reconectando a população ao patrimônio vegetal nativo. Seu plantio é feito basicamente com a participação de cidadãos voluntários, que almejam o resgate da biodiversidade urbana, tendo como foco principal áreas públicas de praças, parques e canteiros centrais.
Este exemplo de resgate da mata nativa pode trazer inspiração em outras regiões, conforme a fauna e a flora local. O verde urbano precisa de atenção e maiores cuidados, principalmente quando se trata de diminuir a temperatura dos recintos urbanos, reter as águas pluviais, atenuar a poluição sonora, criar reservas ecológicas, filtragem de gases tóxicos como o gás carbônico na atmosfera, entre outros.
Dentre as árvores nativas da Mata Atlântica as mais utilizadas na arborização urbana são:
Araçá | Psidium cattleianum
Aroeira | Schinus terebinthifolius
Aroeira salsa | Schinus molle
Cambuci | Campomanesia phaea
Canafístula | Senna spectabilis
Cereja-do-mato | Eugenia involucrata
Guanhuma | Cordia superba
Ipê | Tabebuia spp
Jabuticabeira | Plinia grandifolia
Manacá-da-serra | Tibouchina mutabilis
Marinheiro | Trichilia catártica
Mulungu | Erythrina speciosa
Oiti | Licania tomentosa
Pau-ferro | Caesalpinia leiostachya
Pitangueira | Eugenia uniflora
Quaresmeira | Tibouchina granulosa
Sibipiruna | Caesalpinia peltophoroides
As árvores de pequeno e médio porte são as mais indicadas para serem plantadas nas calçadas (ver Catálogo de Plantas | Árvores para Calçadas),canteiros de ciclovias e demais logradouros públicos das cidades, devido ao seu porte e características. Já as de grande porte, são mais indicadas para praças, parques e largos.
Conforme o tamanho do terreno, algumas também são indicadas para jardins particulares. Como em qualquer projeto é preciso cautela e cuidados especiais. Antes de plantar qualquer tipo de árvore, consulte um especialista. E, para evitar riscos e danos à paisagem urbana, é recomendado a consultoria de um biólogo, paisagista, urbanista ou engenheiro florestal.
Existem também outras formas para resgatar o verde urbano, são os chamados Jardins Sensoriais. Estes projetos paisagísticos por sua vez são formados por rotas ou travessias distintas que nos levam as mais diversas sensações, devido a composição e diferenciação em seus caminhos. Estes passeios podem se dar entre uma horta urbana, com seus diversos chás, temperos e flores perfumadas, que nos levam as mais remotas memórias e lembranças da infância.
Além das espécies vegetais selecionadas, jardins sensoriais podem apresentar em seus caminhos materiais e texturas específicas, que trazem diversas sensações, como por exemplo, caminhos intercalados com folhas secas, cascalho, areia grossa, pedrisco, brita e seixos. Ou mesmo, caminhos sinuosos com pontes de madeira ou sobre pedras de um córrego. A criatividade do jardim sensorial fica por conta da imaginação do paisagista.
Entretanto, o Resgate da Natureza em Meio a Urbanização, além dos benefícios ecológicos para a fauna e flora destes espaços abertos públicos, traz também uma contribuição holística e espiritual: a (Re)Conexão das Pessoas com a Natureza. Caminhar, meditar ou fazer um cooper numa praça ou parque arborizados, bem como pedalar numa ciclovia arborizada, ao ar livre, sob os raios do sol, ao canto de pássaros, podem nos proporcionar uma verdadeira higiene mental e espiritual.
E, para eliminar o estresse do dia a dia, ideal seria praticar algum exercício físico conjuntamente. Seja para caminhar ou pedalar, as ciclovias compartilhadas em espaços abertos públicos podem exercer papel importante na configuração socioespacial das cidades.
Como verdadeiras praças lineares, as Ciclovias Compartilhadas quando em canteiros centrais de logradouros, podem receber em seu projeto a implantação de árvores de grande porte, gramado, bancos, iluminação dirigida, bicicletários, pontos de água quente para chimarrão e até mesmo playgrounds cercados. Um local onde toda a família pode passear, brincar e exercitar o corpo.
O ciclismo urbano traz inúmeros benefícios econômicos, ambientais, sociais e de saúde para a população. Muitos países da Europa já adotaram esta prática com ciclovias em muitas cidades, entre elas: Amsterdam, Barcelona, Berlim, Copenhague, Holanda, Lyon, Londres. Todas bem servidas com ciclovias e bicicletários (serviço de guarda e compartilhamento de bicicletas) por toda a zona urbana.
Sevilha na Espanha, por exemplo, tornou-se uma cidade amiga dos ciclistas, devido a vontade política e um movimento social forte. Com 70 quilômetros de ciclovias no primeiro ano, agora são utilizadas por mais de 70 mil pessoas todos os dias. Sevilha demonstra que é possível ter uma cidade com uma coexistência entre ciclistas e motoristas de forma funcional e segura.
Muitas cidades aqui no Brasil também têm tido destaque na implantação de ciclovias para melhorar a qualidade de vida de seus habitantes. Tais como São Paulo com mais de 460 km de estrutura cicloviária, Rio de Janeiro com 450 Km, Brasília com 420 km, Fortaleza 198 Km, Curitiba com 190,4 km, Rio Branco com 103 km.
Outras cidades com até 100 km de estrutura cicloviária, são: Belém (88,4), Belo Horizonte (87,4), Salvador (85,9), Campo Grande (80,9), Aracaju (67), Vitória (47), Porto Alegre (44,6), Teresina (41,9), Recife (41,6), Florianópolis (41), João Pessoa (40,7), Cuiabá (39,9) e Manaus (6,9).
Este conceito de planejamento urbano sustentável, onde a qualidade de vida dos pedestres e ciclistas é o foco, vem sendo divulgado por muitos arquitetos estudiosos, entre eles o arquiteto e urbanista dinamarquês, professor Jan Gehl. Para o autor, o planejamento urbano deve priorizar pedestres, ciclistas e a ocupação de espaços públicos. Seus estudos contribuíram diretamente para que Copenhague seja considerada umas das cidades mais amigáveis para as pessoas.
O renomado urbanista tem suas ideias divulgadas em sua obra “Cidade para Pessoas”, publicado em 2010, na qual o autor fala sobre a importância do planejamento urbano para a saúde física e mental das pessoas. Na Gehl Architects, sua empresa de consultoria, enfatiza os espaços públicos como espaços de descanso e convivência no centro da cidade. Com ciclovias e rotas peatonais, o espaço urbano é criado para incentivar caminhadas e interações sociais.
“Eu acredito que boa arquitetura não é apenas forma, porque isso é escultura. Boa arquitetura é a interação entre forma e vida.” Jan Gehl
E a exemplo disso, pode-se destacar a Rede Europeia de Ciclovias, EuroVelo, que cruzam o continente Europeu atualmente em 15 rotas cicláveis de longa distância. O comprimento total destas rotas ultrapassa os 70.000 km e interligará 43 países até 2020, realmente uma megaciclovia!
Integradas nestes espaços urbanos planejados com ciclovias, praças e parques, as árvores com suas sombras, copas frondosas, flores e texturas diferenciadas formam os “pulmões da cidade” e são as protagonistas deste cenário verde para pessoas.
Em suma, todos estes autores e ideias nos remetem ao fato de que é imprescindível pensarmos em nossas cidades de modo sustentável, com mais equilíbrio e harmonia entre os espaços construídos e a natureza viva do planeta.
Comece por você, plante inicialmente uma árvore, regue e veja crescer. E, se possível, vá mais longe e plante uma floresta! Seus frutos trarão bons resultados para as futuras gerações, como exemplo de conscientização na preservação da natureza.
Para o despertar de um planejamento urbano sustentável, é preciso ações para o resgate da natureza, como fator ordenador e de equilíbrio do espaço construído!
Precisamos aqui e agora, almejar e cocriar um novo urbanismo sustentável, onde nas cidades do futuro irá nascer um planejamento urbano mais verde, tendo como princípio ordenador a natureza viva do planeta, em prol de uma sociedade mais humana, fraterna e em conexão com a natureza.
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